1 de setembro de 2018

Metabolômica: aplicações e principais conceitos

Autor: Filipe Fidelis

A metabolômica tem se mostrado particularmente útil na elucidação da função de genes e proteínas, por meio da associação de modelos de knockout ou knockdown; no esclarecimento do mecanismo de ação das drogas utilizadas no tratamento de diversas doenças ou de novos medicamentos, bem como dos processos envolvidos na aquisição de resistência aos fármacos; na identificação de aberrações metabólicas associadas com diversas doenças; na caracterização molecular de patógenos e de microrganismos de interesse biotecnológico.

As técnicas mais frequentemente utilizadas para análise do metaboloma são a ressonância magnética nuclear (NMR) e a espectrometria de massas (MS) associada a técnicas de separação, como a cromatografia gasosa (GC) e líquida (LC) e a eletroforese capilar. As plataformas analíticas variam quanto à sensibilidade e especificidade e cada uma têm suas respectivas vantagens e desvantagens e devem ser cautelosamente analisadas de acordo com o objetivo do estudo. Para obtenção de uma visão ampla do metaboloma, análises multiplataforma mostram-se como uma estratégia valiosa.

O GC-MS é a técnica mais antiga e a mais robusta em metabolômica, sendo amplamente utilizada para avaliação de compostos voláteis e/ou volatilizáveis, cujo peso molecular seja menor do que 500 Da, como ácidos orgânicos, aminoácidos, ácidos nucléicos, lipídios e carboidratos. As vantagens apresentadas por esta técnica incluem custo baixo, alta reprodutibilidade e facilidade operacional. Contudo, apresenta as desvantagens de que é um método laborioso, não permite a análise de compostos termoinstáveis e um número pequeno de metabólitos é identificado.

O LC-MS é mais sensível do que o GC-MS e menos restrita a determinada categoria de molécula, considerando a variedade de combinação de fases móveis e estacionárias e protocolos analíticos, além disso, permite a análise de metabólitos com massa molecular entre 800 e 2000 Da. Contudo, apresenta a desvantagem de não apresentar biblioteca de espectros. Já o CE-MS é indicado para análise de moléculas polares ou que apresentam carga, porém possui baixa sensibilidade e reprodutibilidade. A NMR é útil na avaliação de compostos que não são identificados por GC-MS ou LC-MS, mas é muito menos sensível do que as técnicas que se baseiam em espectrometria.

Em conclusão, a metabolômica é uma ciência ômica em intenso crescimento e tem se mostrado particularmente útil na complementação de dados genômicos, transcriptômicos e proteômicos e pode auxiliar na elucidação de diversos processos biológicos ainda hoje desconhecidos.

As ciências ômicas: Metabolômica


Autora: Jéssica Gardone Vitório

As ciências ômicas visam à compreensão dos processos biológicos relacionados ao funcionamento molecular e as alterações envolvidas a esse. Várias plataformas tecnológicas foram desenvolvidas como: a genômica, que teve sua visibilidade com o projeto do sequenciamento do genoma humano, a transcriptomica, proteômica e a metabolômica. 



As moléculas de baixo peso molecular (até 1500 Da) de um sistema biológico compõe o metaboloma, e a tecnologia desenvolvida para o estudo nesse campo denominou-se metabolômica. O termo metabolômica, e a análise do metaboloma como uma medida abrangente e quantitativa, foram introduzidos por Oliver Fiehn, em 2001, mas as pesquisas relacionadas a metabólitos são mais antigas.  

A metabolômica é um campo em ascensão e se caracteriza pela detecção e quantificação dos produtos finais e intermediários do metabolismo biológico.  Compreende o estudo dos metabólitos de uma determinada célula, tecido, organismo, fluído biológico ou órgão, no momento de análise, e é considerada a análise mais próxima ao fenótipo.

Os resultados obtidos nas análises metabolômicas são considerados essenciais no entendimento dos complexos mecanismos biológicos relacionados à genômica funcional. A integração de dados metabolômicos com dados gerados em plataformas genômicas epigenômicas, transcriptomicas e proteômicas, fazem uma cobertura dos processos moleculares como uma rede, gerando um maior conhecimento da funcionalidade do metabolismo biológico.


Leitura recomendada: 

FIEHN, O. Combining genomics, metabolome analysis, and biochemical modelling to understand metabolic networks. Comparative and Functional Genomics. 2, 155. 2001

SUN, Y. V; HU, Y. Integrative Analysis of Multi-omics Data for Discovery and Functional Studies of Complex Human Diseases. Adv Genet, v. 93, p. 147–190, 2017.

16 de julho de 2018

Sequenciamento de nova geração em tumores de células granulares esporádicos

O tumor de células granulares (TCG) é uma lesão benigna rara de tecido mole, que afeta principalmente a região da cabeça e pescoço, principalmente a língua. A patogênese molecular do TCG ainda é desconhecida, e a maioria dos estudos se concentra em análises imunohistoquímicas e ultraestruturais. Nosso objetivo foi encontrar mutações condutoras no TCG oral, por meio do sequenciamento de genes comumente alterados em neoplasias humanas, incluindo o PTPN11 para o qual mutações foram previamente relatadas no TCG associadas à síndrome de LEOPARD e NOONAN.

Seis amostras fixadas em formol e embebidas em parafina de TCG oral foram sequenciadas usando o Ion AmpliSeqTM Cancer Hotspot Panel v2, que abrange 2.856 mutações do hotspot COSMIC em 50 oncogenes e genes supressores de tumor. A imuno-histoquímica foi realizada para o ki-67 e para os marcadores de sinalização de dano ao DNA, phospho-chk2 e phospho-histona H2A.X.

Mutações de PTPN11 nos exons 12 e 8 não foram detectadas em nenhuma amostra. Identificamos seis variantes de nucleotídeo único missense (SNV) sequenciadas em alta profundidade.  ATM p.Ala2883Val foi previsto pela análise in silico tendo um efeito deletério na proteína. O baixo padrão de imunomarcação de duas proteínas da via ATM confirma esse efeito prejudicial. Os outros SNVs foram tolerados (GNAQ p.Val240Met, KDR p.Asp257Asn e SMO p.Glu224Asp) ou preditos como possíveis deletérios apenas por PolyPhen, mas não por SIFT. KDR p.Gln472His e TP53 p.Pro72Arg foram listados como SNPs comuns (rs1870377 e rs1042522 respectivamente), pelo menos um deles apareceu em todas as amostras.

Danos no DNA podem ser causados por agentes endógenos e / ou exógenos e promovem respostas celulares que podem deter a progressão do ciclo celular, reparo do DNA e apoptose. ATM é uma proteína de sensor de dano que inicia cascatas de transdução de sinal e fosforila Chk2. A histona H2A.X também é um substrato de ATM e sua fosforilação ocorre em resposta a quebras de dupla fita de DNA. A mutação ATM leva a falhas na detecção e reparo de danos no DNA, que por sua vez resultam em acúmulo de mutação (figura 1).

 Apesar da variante  ATM ter um efeito deletério, sua patogenicidade ainda não foi testada. A avaliação de mutações em 50 oncogenes e genes supressores de tumor no TCG oral não revelou SNV patogênico.



Figura 1 Resposta de dano ao DNA mediada por ATM. 

Autora: Josiane Alves França (jojoaf@gmail.com)

Leia o trabalho completo: 
França JA et al. Sporadic granular cell tumours lack recurrent mutations in PTPN11, PTEN and other cancer-related genes. JCP Online , v. 71, p. 93-94, 2017.


9 de março de 2018

A via Wnt/β-catenina está desregulada em fibromas cemento-ossificantes.

A patogênese molecular do fibroma de cemento-ossificante (FCO) não está clara. Em um estudo recente, foi investigado mutações em 50 oncogenes e genes supressores de tumores, incluindo APC e CTNNB1, onde mutações em FCO foram relatadas anteriormente. Além disso, foi avaliado os níveis de transcrição dos genes da via Wnt/β-catenina em FCO. 

Um array de PCR quantitativa foi utilizada para avaliar os níveis de transcrição de 44 genes da via Wnt/β-catenina em 6 amostras de FCO, em comparação com 6 amostras de osso saudável. O sequenciamento de nova geração (SNG) foi realizado em 7 amostras FCO para investigar aproximadamente 2800 mutações em 50 genes.

O ensaio de expressão gênica revelou 12 genes de via Wnt/β-catenina diferencialmente expressos em FCO, incluindo maior expressão de CTNNB1, TCF7, NKD1 e WNT5 A e menor expressão de CTNNBIP1, FRZB, FZD6, RHOU, SFRP4, WNT10 A, WNT3 A, e WNT4, sugerindo a ativação da via de sinalização Wnt/β-catenin. O estudo do SNG revelou 5 variantes do tipo SNP: TP53 (rs1042522), PIK3 CA (rs2230461), MET (rs33917957), KIT (rs3822214) e APC (rs33974176), mas nenhuma delas considerada patogênica.

Embora a NGS não tenha detectado mutação oncogênica, a desregulação dos genes chaves da via de sinalização Wnt/β-catenina parece ser relevante para a patogênese molecular da FCO.


Leia o trabalho completo:

  • Pereira TDSF1, Diniz MG1, França JA2, Moreira RG3, Menezes GHF2, Sousa SF1, Castro WH1, Gomes CC2, Gomez RS4. The Wnt/β-catenin pathway is deregulated in cemento-ossifying fibromas. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol. 2018;125(2):172-178.







A biologia molecular no campo da dor orofacial

A dor orofacial refere-se à dor associada a tecidos moles e duros da face, cavidade oral, cabeça e pescoço. Disfunções dolorosas que acometem estruturas orofaciais como doenças do sistema nervoso periférico ou central, disfunções músculo-esqueléticas ou manifestações de distúrbios psicossociais são condições altamente debilitantes, sendo o tipo mais prevalente na população as disfunções temporomandibulares (DTM).

DTM é um termo genérico que engloba distúrbios musculoesqueléticos específicos do sistema mastigatório. O sintoma mais comum é dor espontânea que, geralmente, concentra-se na musculatura mastigatória e/ou na articulação temporomandibular (ATM), impactando negativamente em atividades diárias e na qualidade de vida daqueles que sofrem dessa disfunção. A DTM pode afetar até 25% da população em geral, sendo mais frequente no sexo feminino entre 20 e 40 anos de idade.
A etiologia da DTM é complexa e multifatorial, incluindo hábitos parafuncionais, fatores psicossociais, neurfisiológicos, genéticos, distúrbios do sono, entre outros. A heterogeneidade da etiologia da DTM é um complicador para o clínico encontrar a melhor forma de tratamento para cada paciente. Por isso, os estudos atuais têm investigado biomarcadores moleculares, como citocinas inflamatórias, neurotransmissores e neuropeptídeos envolvidos na nocicepção, e também fenótipos intermediários que estejam relacionados com a etiopatogênese dessas disfunções, a fim de aprimorar o tratamento da dor crônica.

Um dos maiores estudos que avaliam a influência de fatores genéticos, como polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs, sigla em inglês), no princípio da DTM é o estudo do OPPERA (Orofacial pain prospective evaluation risk and assessment). Esse trabalho avaliou prospectivamente mais de 2700 indivíduos saudáveis durante sete anos para analisar aqueles que desenvolveram DTM. Foram investigados em todos os voluntários da pesquisa, SNPs de genes relacionados à sensibilidade somatossensorial, processos inflamatórios e componentes emocionais. Mais de 20 genes foram associados ao início da DTM. Os autores desse estudo propõem que esses genes tem grande influência em dois principais domínios que caracterizam o início e persistência da DTM: amplificação da dor (em função de lesões, estado inflamatório e/ou deficiência na modulação da dor) e aspectos psicossociais (como catastrofização ou somatização da dor).

Atualmente, existe uma vasta variedade de abordagens terapêuticas para DTM, mas nenhuma é biologicamente específica. Os tratamentos existentes podem ser eficazes para uma parte dos portadores de DTM, mas ainda há uma grande parcela de indivíduos refratários aos tratamentos convencionais. A busca de biomarcadores moleculares, através de estudos como o OPPERA, possibilita novas perspectivas no diagnóstico, prognóstico e tratamento dessas disfunções. Idealmente, isso nos permitirá adaptar ou individualizar tratamentos com base em fatores genéticos específicos de indivíduos diagnosticados com DTM.

Autora: Flávia Fonseca Carvalho Soares (flaviafcsoares@gmail.com)


Referências:

  • Bender SD. Orofacial pain and headache: a review and look at the commonalities. Curr Pain Headache Rep. 2014;18(3):400. 
  • Smith SB, Mir E, Bair E, Slade GD, Dubner R, Roger B, et al. OPPERA prospective cohort study. J Pain. 2013;14(12 0):1–20. 
  • Romero-Reyes M, Uyanik JM. Orofacial pain management: Current perspectives. J Pain Res. 2014;7:99–115. 
  • Grosman-Rimon L, Parkinson W, Upadhye S, Clarke H, Katz J, Flannery J, et al. Circulating biomarkers in acute myofascial pain. Medicine (Baltimore). 2016;95(37):e4650.